1.
Religião e Humanidade
A religião é um fenômeno social, um conjunto
de símbolos e rituais realizados coletivamente. Neste sentido, ela se relaciona
intrinsecamente com a sociedade, sendo nela praticada das mais diversas
maneiras. É o elemento central da experiência humana e existe em todas as
sociedades conhecidas. Traços de rituais e símbolos religiosos já se evidenciam
desde o tempo das sociedades antigas das quais temos conhecimento apenas
através de vestígios arqueológicos. A religião influencia de diversas maneiras
a forma pela qual vemos o mundo e reagimos ao meio que nos rodeia. Gertz afirma
que a religião é sociologicamente interessante não porque descreve a ordem
social, mas porque a modela.
Junito Brandão, em seu livro Mitologia grega,
define a religião como um conjunto de atitudes e atos por meio dos quais o
homem se liga ao divino ou manifesta sua dependência em relação a seres
invisíveis tidos como sobrenaturais. Do verbo latino religare, religião significa o ato ou ação de ligar. Por isso, podemos
afirmar que religião é a instituição social que faz com o ser humano se sinta
ligado ou relacionado com algo ou alguém que o transcende. E isto faz parte da
essência humana, em que a transcendência consiste nesta dimensão de buscar
ultrapassar a materialidade corpórea e dar significado ao seu existir fora da
dimensão material. O ser humano é formado de quatro dimensões fundamentais que
se interrelacionam e se interligam: a imanência que o faz perceber como
elemento integrante do mundo a sua volta, a transcendência que faz buscar algo
superior ao seu eu, a identidade que o faz se perceber como sujeito e a
alteridade que faz sua relação com os outros eus.
Se a linguagem é a característica fundamental
da espécie humana, a linguagem pictórica encontrada em cavernas e paredões
rochosos (pinturas rupestres) são os sinais mais evidentes de que a religião
foi a forma encontrada por primeiro dos seres humanos emitirem sinais de suas
manifestações religiosas, pois estas pinturas são claramente uma simbologia religiosa,
ainda que mítica e misteriosa ou na tentativa de pressionar o meio em relação
ao contexto vivenciada por estas sociedades. O humano, em sua capacidade
cognitiva e simbólica, seria impensável sem a forma como a religião constituiu
a própria humanidade. Ser humano é ser religioso em termos históricos. Neste
primeiro conceito, a religião emerge, portanto, como a experiência humana mais
antiga, confundindo-se com o próprio tornar-se humano. A religião é a
experiência fundamental que constitui a rede de significados mais antiga sobre
a condição humana (MAGALHÃES/PORTELLA, 2011, p. 26).
Uma coisa é negar a importância de uma
instituição religiosa como igreja, mas não podemos negar a importância
histórica e sociológica da religião enquanto dimensão do ser humano.
Enquanto relacionamento com o sobrenatural ou
com o transcendente, podemos classificar as religiões como:
-
Animista: crença na presença sobrenatural em um ser inanimado, bem como a
presença de uma alma em todos os seres, inclusive em astros, animais, podendo
muitas vezes confundir-se com animatismo e/ou fetichismo, que consiste na
presença do sobrenatural em todas as coisas.
-
Politeísmo: crença em vários deuses como os gregos, egípcios, romanos e outros
povos da antiguidade ou também como muitas religiões orientais.
-Monoteísmo:
crença em um único deus, como no caso do judaísmo, do cristianismo e islamismo.
-
Religião sem deus: acredita na existência de forças cósmicas, como no caso do
budismo.
As religiões são diferentes, mas têm pontos
em comum, sendo que o mais comum entre todas elas é que elas implicam um
conjunto de símbolos e rituais que são realizados coletivamente, sendo que esta
coletividade é o que difere, segundo Giddens, a religião da magia. Segundo ele,
magia corresponde a uma tentativa individual de influenciar os acontecimentos
por meio do uso de poções, cânticos ou
práticas rituais; e religião como um conjunto de crenças e práticas rituais às
quais os membros de uma comunidade aderem , e que envolvem símbolos ligados à
reverência e à admiração.
Para Durkheim, o aspecto coletivo das
cerimônias religiosas é um fator que não são diferencia a religião da magia,
mas mantém acesa a chama da fé, e segundo ele, as crenças permanecem se partilhadas,
pois assim elas nascem e são adquiridas. Para ele, aqueles que verdadeiramente
têm fé saem do isolamento e se aproximam dos outros para convencê-los, e a
força de suas convicções mantém sua fé, pois sozinha ela se enfraqueceria.
Por constituir um fenômeno socialmente
condicionado, a religião pode ser considerada historicamente transitória, no
sentido de que ela sofreu e sofre as influências e transformações do tempo e
lugar na sociedade em se insere, mesmo se tratando de uma mesma religião, pois
a sua prática se configura de uma forma coletiva, mas também com as influências
da sociedade a qual está presente.
A própria vida religiosa é quase, universalmente,
uma prática social, em que a solidariedade mística tem um papel central,
detendo grande diversidade de símbolos para se exteriorizar e desenvolver. Por
exemplo, a constituição de comunidades humanas geograficamente identificáveis
que são ao mesmo tempo comunidades espirituais; as cerimônias que apelam à
participação dos assistentes, como as oferendas, comunhões físicas; outras
cerimônias como os ritos de iniciação, as cerimônias do casamento, os ritos
fúnebres, etc. Se a religião é dotada de símbolos diversos, é porque faz
referência a um universo invisível, inacessível diretamente, devendo, portanto seguir a vida simbólica para
manterem o homem em contacto com esse universo. Ora, a sociedade apresenta as
mesmas características: transcende cada pessoa, requer a solidariedade de
comunidades vastas, complexas ou mesmo dificilmente perceptíveis, obriga a
relação entre grupos, coletividade e massas, etc. A sociedade e a sua complexa
organização, não poderiam existir e perpetuar-se, tal como a religião, sem o
contributo multiforme do simbolismo, tanto pela participação ou identificação
que ele favorece como pela comunicação de que é instrumento.
2. As diferentes religiões do mundo atual
O mundo atual é caracterizado por um
crescente número de igrejas e seitas, cabendo aqui, fazer a diferenciação entre
seita, igreja e religião.
-
Religião como sendo um conjunto de doutrinas, crenças e práticas religiosas
caracterizada pelo universalismo, pela fé em função de uma pregação mais
baseada em princípios doutrinários, geralmente provenientes de uma iluminação
ou revelação, como por exemplo, o judaísmo, o budismo, o cristianismo, etc.
-
Igreja: é a institucionalização da religião a partir da proposição de um
conjunto de regras e valores morais e éticos, baseados em práticas rituais e
litúrgicas.
-
Seita: grupo formado a partir da divisão de uma igreja ou religião por princípios
doutrinários ou conflitos pessoais.
A religião mais
antiga é o hinduísmo com origem na Índia, há cerca de 6.000 anos. É uma
religião politeísta, têm variações de cultos, práticas religiosas. Aceitam a
doutrina da re-encarnação (eterno processo de nascimento, morte e
renascimento). Dá base ao sistema de castas da Índia ao apresentar que as
pessoas nascem numa determinada posição social por causa da natureza de suas
atividades em vida anterior.
Budismo: religião
criada a partir do príncipe Sidharta Gautama, rejeita os rituais hindus e o sistema
de castas. Crê no processo da re-encarnação como uma purificação, mas os seres
humanos podem escapar deste processo e do sofrimento por meio da renúncia ao
desejo. No Brasil, o budismo foi introduzido por imigrantes japoneses.
Hoje, o mundo ocidental
é marcado pela presença de três grandes religiões monoteístas: o judaísmo, o
cristianismo e o islamismo, religião que nasceram da experiência religiosa de
um povo que teve sua origem a partir de Abraão, considerado o pai da fé
destes povos.
Dentro do que se define como religião
pode-se encontrar muitas crenças e filosofias diferentes. As diversas religiões
do mundo são de fato muito diferentes entre si. Porém ainda assim é possível
estabelecer uma característica em comum entre todas elas. É facto que toda
religião possui um sistema de crenças no sobrenatural, geralmente envolvendo
divindades, deuses e demónios. As religiões costumam também possuir relatos
sobre a origem do Universo,
da Terra e do Homem, e o que acontece
após a morte. A maior parte crê
na vida após
a morte.
Algumas religiões não
consideram deidades, e podem ser consideradas como ateístas (apesar do ateísmo
não ser uma religião, ele pode ser uma característica de uma religião).
É o caso do budismo,
do confucionismo e do taoísmo.
Recentemente surgiram movimentos especificamente voltados para uma prática
religiosa (ou similar) da parte de deístas, agnósticos e ateus - como exemplo
podem ser citados o Humanismo
Laico e o Unitário-Universalismo. Outros criarão sistemas
filosóficos alternativos como August
Comte, fundador da Religião
da Humanidade.
As religiões que afirmam a
existência de deuses
podem ser classificadas em dois tipos: monoteísta ou politeísta. As religiões
monoteístas (monoteísmo)
admitem somente a existência de um único deus, um ser supremo. As religiões
politeístas (politeísmo)
admitem a existência de mais de um deus.
Atualmente, as religiões
monoteístas são dominantes no mundo: judaísmo, cristianismo e Islão juntos agregam mais
da metade dos seres humanos e quase a totalidade do mundo ocidental.
A distribuição atual das
religiões não corresponde às suas origens, já que algumas perderam força em
suas regiões nativas e ganharam participação em outras partes do planeta, um
exemplo básico é o cristianismo, que é minoritário no Oriente Médio (onde
surgiu) e majoritário em todo o Ocidente e na Oceania (para onde migrou). Há
ainda o caso das religiões greco-romanas que dominaram a Europa por séculos mas
hoje são religiões mortas, provavelmente sem nenhum seguidor vivo em todo o
planeta.
Desde os finais do século XIX, e em
particular desde a segunda metade do século XX, o papel da
religião, bem como seu número de aderentes, se tem alterado profundamente. Alguns
países cuja tradição religiosa esteve historicamente ligada ao cristianismo, em
concreto os países da Europa, experimentaram um significativo declínio da
religião. Este declínio manifestou-se na diminuição do número de pessoas que
frequenta serviços religiosos ou do número de pessoas que desejam abraçar uma
vida monástica
ou ligada ao sacerdócio.
Em contraste, nos Estados
Unidos, na América
Latina e na África
subsaariana, o cristianismo cresce significativamente; para alguns
estudiosos estes locais serão num futuro próximo os novos centros
desta religião. O islão é atualmente a religião que mais cresce em número de
adeptos, que não se circunscrevem ao mundo árabe, mas também ao sudeste
asiático, e a comunidades na Europa e no continente americano. O hinduísmo, o
budismo e o xintoísmo tem a sua grande área de influência no Extremo Oriente, embora as
duas primeiras tradições influenciem cada vez mais a espiritualidade dos
habitantes do mundo ocidental. A Índia, onde cerca de 80%
da população é hindu, é um dos países mais religiosos do mundo, ficando em
segundo lugar após os Estados Unidos. As explicações para o crescimento das
religiões nestas regiões incluem a desilusão com as grandes ideologias do
século XIX e XX, como o nacionalismo
e o socialismo.
Por outro lado, o mundo ocidental é marcado
por práticas religiosas sincréticas, ligadas a uma "religião
individual" de cada um faz para si e ao surgimento dos chamados
"novos movimentos religiosos". Embora nem todos esses movimentos
sejam assim tão recentes, o termo é usado para se referir a movimentos
neocristãos (Movimento de Jesus), judaico-cristãos (Judeus por Jesus),
movimentos de inspiração oriental (Movimento
Hare Krishna) e a grupos que apelam ao desenvolvimento do potencial
humano através por exemplo de técnicas de meditação (Meditação Transcendental).
Também presente na Europa e
nos Estados Unidos da América é aquilo que os investigadores designam como uma
"nebulosa místico-esotérica", que apela a práticas como o xamanismo, o tarot, a astrologia, os mistérios e
cuja atividades giram em torno da organização de conferências, estágios,
revistas e livros. Algumas das características desta nebulosa místico-esotérica
são as centralidades do indivíduo que deve percorrer um caminho pessoal de
aperfeiçoamento através da utilização de práticas como o ioga, a meditação, a idéia de que
todas as religiões podem convergir , o desejo de paz mundial e do surgimento de
uma nova era marcada por um nível superior de consciência.
3. O caráter sociológico das religiões
Em diferentes épocas
podemos perceber as diferentes formas de se analisar o fenômeno religioso
presente em nossas sociedades. Porém, o que não podemos negar é a presença
deste fenômeno social que se faz presente na humanidade desde sua origem.
Os estudos
sociológicos mostram que diferentes pensadores se propuseram a estudar o
fenômeno religioso. Por isso, temos diferentes enfoques, entre os quais podemos
descrever desde a negação da importância social da religião até o fato de que a
religião sendo vista como fator de agregação e organização da sociedade humana.
O medo do desconhecido e a necessidade de dar
sentido ao mundo que a cerca levou o homem a fundar diversos sistemas de
Crenças, Cerimônias e Cultos - muitas vezes centrados na figura de um ente
supremo - que o ajudam a compreender o significado último de sua própria
natureza. Mitos, Superstições ou Ritos Mágicos que as sociedades primitivas
teceram em torno de uma existência sobrenatural, inatingível pela razão,
equivaleram à crença num ser superior e ao desejo de comunhão com ele, nas
primeiras formas de religião. Religião (do latim religio, cognato de religare,
"ligar", "apertar", "atar", com referência a
laços que unam o homem à divindade) é como o conjunto de relações teóricas e
práticas estabelecidas entre os homens e uma potência superior, à qual se rende
culto, individual ou coletivo, por seu caráter divino e sagrado.
Assim, religião constitui um corpo organizado
de crenças que ultrapassam a realidade da ordem natural e que tem por objeto o
sagrado ou sobrenatural, sobre o qual elabora sentimentos, pensamentos e ações.
Essa definição abrange tanto as religiões dos povos ditos primitivos quanto às
formas mais complexas de organização dos vários sistemas religiosos, embora
variem muito os conceitos sobre o conteúdo e a natureza da experiência
religiosa. Apesar dessa variedade e da universalidade do fenômeno no tempo e no
espaço, as religiões têm como característica comum o reconhecimento do sagrado
e a dependência do homem de poderes supramundanos. A observância e a
experiência religiosas têm por objetivo prestar tributos e estabelecer formas
de submissão a esses poderes, nos quais está implícita a idéia da existência de
ser ou seres superiores que criaram e controlam o cosmos e a vida humana. À medida que o homem passou a organizar sua
existência numa base racional, a multiplicidade de poderes divinos e
sobre-humanos do primitivo animismo não conseguiu mais satisfazer a necessidade
de estabelecer uma relação coerente com as múltiplas forças espirituais que
povoavam o universo. Surgiram assim as religiões politeístas, panteístas,
deístas e monoteístas, expressões das condições sociais e culturais de cada
época e das características dos povos em que surgiram. Toda religião pressupõe
algumas crenças básicas, como a sobrevivência depois da morte, mundo
sobrenatural etc., ao menos como fundamento dos ritos que pratica. Essas
crenças podem ser de tipo Mitológico - relatos simbólicos sobre a origem
dos deuses, do mundo ou do próprio povo; ou Dogmático - conceitos transmitidos
por revelação da divindade, que dá origem à religião revelada e que são
recolhidos nas escrituras sagradas em termos simbólicos, mas também
conceituais.
Podemos dizer que a religião surgiu com o
próprio ser humano e se constitui em um fator de humanização permanente pela
sua capacidade de simbolização. Da mesma forma que a religião passou a grande
fonte de sentido da vida humana. Portanto, a religião surgiu como uma forma de
resposta a todas as perguntas que o ser humano fazia sobre si mesmo, sobre o
mundo que o cerca. Como não encontrava uma resposta concreta para esses
questionamentos, percebeu a existência de algo além da sua própria existência e
do mundo que o cercava: nasciam assim as diferentes formas de religião, pois a
dimensão da religiosidade já faz
parte do ser humano, na sua ânsia de superar os seus limites.
Weber e a Religião
Weber concentrou a sua atenção nas religiões ditas mundiais, aquelas que
atraíram um grande número de crentes e que afetará, em grande medida, o curso
global da história. Teve em atenção a relação entre a religião e as mudanças
sociais, acreditava que os movimentos inspirados na religião podiam produzir
grandes transformações sociais, dando o exemplo do Protestantismo. Para Weber,
as concepções religiosas eram cruciais e originárias das sociedades humanas, pois
o homem, como tal, sempre esteve à procura de sentido e de significado para a
sua existência; não simplesmente de ajustamento emocional, mas de segurança
cognitiva ao enfrentar problemas de sofrimento e morte. Weber mostra que as
religiões, ao criar respostas a tais problemas respostas que se tornam parte
da cultura estabelecida e das estruturas institucionais de uma sociedade
influem de maneira mais íntima nas atitudes práticas dos homens com relação às
várias atividades da vida diária. Com isto, Weber considerava que, ao problema
humano do sentido e significação existencial, a religião, de maneira eficaz,
oferecia uma resposta final. Portanto,
segundo a teoria de Weber, religião é uma das fontes causadoras de mudanças
sociais. Para ele, o processo de racionalização religiosa ou de
desencantamento do mundo culminou no calvinismo do século XVII e em muitos
outros movimentos, chamados por ele de seitas. A ligação que Weber faz do
desenvolvimento do capitalismo com o calvinismo é que se o capitalismo visa o
lucro pelo trabalho e seguinte de regras, o calvinismo se apresenta como uma
religião que se fundamenta na execução prática de regras morais e sociais bem
rígidas.
Durkheim é um
autor que estudou a religião em sociedades pequenas, considerando a religião
como uma coisa social. Para o autor, na questão religiosa há uma preocupação
básica que é a diferença entre sagrado e profano. Durkheim é bem explícito ao
afirmar que: o sagrado e o profano foram sempre e por toda a parte concebidos
pelo espírito humano como gêneros separados, como dois mundos entre os quais
nada há em comum (
) uma vez que a noção de sagrado é no pensamento dos homens,
sempre e por toda a parte separada da noção do profano (
) mas o aspecto
característico do fenômeno religioso é o fato de que ele pressupõe uma divisão
e bipartida do universo conhecido e conhecível em dois gêneros que compreendem
tudo o que existe, mas que se excluem radicalmente. As coisas sagradas são
aquelas que os interditos protegem e isolam; as coisas profanas, aquelas às
quais esses interditos se aplicam e que devem permanecer à distancia das
primeiras. Ou seja, para Durkheim, há uma natural superioridade do sagrado em
relação em profano.
A religião em Marx
Partindo do
conceito de alienação como algo que faz o ser humano esquecer a realidade em
que vive, Marx afirmava que os homens que não compreendem inteiramente sua
própria história acabam por criar deuses e forças distintas de si mesmos, para atribuir às ações dos deuses
valores e normas que, na realidade, são criações sociais. A afirmar a religião
como ópio do povo, considerava que a religião desvirtuaria o homem de seu próprio
caminho, fazendo esquecer as injustiças deste mundo, sugerindo atitudes de não
resistência à opressão e conformando o ser humano a uma realidade de
injustiças. Por outro lado, Marx também pensou a religião como uma enciclopédia
popular, em que a religão aparece como uma forma de conhecimento e de
explicação da realidade pelas classes populares para dar sentido às coisas, às
relações sociais e políticas, como forma de buscar forças para a luta contra a
tirania.
O pensamento religioso de Pierre Bourdieu
A Sociologia da
religião para Bourdieu é a a Sociologia do campo religioso, enquanto estrutura
em que os indivíduos ocupam posições e mantem relações diferenciadas entre
estas posições.É a distribuição do capital religioso que determina a posição de
cada agente religioso e as suas disposições.
Outro conceito
importante trabalho por Bourdieu é o simbolismo religioso, que segundo ele
torna-se instrumento de intregração nas relações sociais, mas também como
instrumento de dominação da classe dominante. As
relações de comunicação são, para Bourdieu, relações de poder determinadas pelo
poder material ou simbólico acumulado pelos agentes envolvidos nas relações. Os
sistemas simbólicos atuam como instrumentos estruturados e estruturantes de
comunicação e conhecimento e asseguram a dominação de uma classe sobre outra a
partir de instrumentos de imposição da legitimação, domesticando os
dominados.
Bourdieu propõe,
na análise sociológica da religião, a figura do profeta como aquele que rompe
coma estrutura social vigente. Portanto, aquele que em situações de crise,
aparece para denunciar uma realidade,
enquanto o sacerdote é aquele que serve para manipular o sagrado em favor das
classes dominantes. Ser profeta ou sacerdote é uma questão de posição que ocupa
nas relações estruturais da sociedade.
A radição
sociológica da religião implica que a recepção dos bens religiosos, das
mensagens religiosas, varie segundo o habitus dos receptores. Há mais do que
interpretação dos bens, reinterpretação. Habitus para Bourdieu é a capacidade
de uma determinada estrutura social ser incorporada pelos agentes por meio de
disposições para sentir, pensar e agir. Assim, uma religião consegue se
expandir ou não conforme for incorporada pela cultura de um determinado povo.
5. Religião
e religiosidade popular
As grandes religiões são quase sempre
percorridas por duas correntes religiosas nem conciliáveis: a
"oficial" e a "popular".
A "oficial está ligada à elite
dos sacerdotes. Caracteriza-se por uma elevada racionalização das crenças e
ritos religiosos, transformando-as num corpo doutrinal muito intelectualizado,
depurado de outras tradições religiosas. Apresenta-se quase sempre numa
linguagem abstrata e universal. O divino apresenta-se enquadrado numa estrutura
teórica muito complexa. Instituição que apresenta um conjunto de doutrinas
oficialmente apresentadas e teologicamente defendidas.
A
corrente "popular" está ligada à forma como a maioria das pessoas
encara a religião: a emoção sobrepõe-se à razão, O fruto do sincretismo religioso (mistura de
diferentes matrizes religiosas). O desvio da norma oficial é por vezes total.
Caracteriza-se por uma visão espontânea, emotiva, sincrética e concreta da
religião. Esta religiosidade popular é herdeira de tradições ancestrais, podemos
encontrar nas mesmas crenças e ritos de antigas religiões há muito
desaparecidas. O crente não sente qualquer incoerência em acreditar, por
exemplo, no cristianismo e em praticar também rituais de origem pagã. Na
religiosidade popular do Brasil podemos encontrar inúmeros exemplos deste
sincretismo milenar.
Estas manifestações populares de
religiosidade atribuem uma grande importância a tudo o que pode ser visto,
tocado ou sentido diretamente. O crente procura sentir de forma muito viva o
contato com o divino e obter um testemunho concreto deste contato. É por esta
razão que nela se apela a tudo o que é de natureza física, como os gestos e se
recorre a práticas mágicas, feitiços, exorcismos, sacrifícios, peregrinações,
etc. que envolvem de forma marcante quer os crentes quer o sacerdote; usa e
abusa-se de objetos de culto como mezinhas, imagens de santos, virgens,
estátuas, medalhas, etc , para se obter isto ou aquilo, ou simplesmente para se
testemunhar que se esteve neste ou naquele local sagrado.
As relações com o divino são quase
sempre, neste caso, relações de troca: O crente promete fazer uma oferta
(promessa, voto) caso o divino lhe dê o lhe pede. Uma vez recebida a dádiva, o
crente vê-se obrigado a efetuar o pagamento.
As diferentes matrizes religiosas brasileiras
a) Matriz
cristã ocidental: presente a partir dos colonizadores europeus, o catolicismo
se tornou a principal corrente religiosa do Brasil, durante todo o período
colonial e imperial. Com a proclamação da República e separação entre Estado e
Igreja, outros credos cristãos passaram a fazer parte da religiosidade do povo
brasileiro de forma livre e espontânea.
b)
Matriz afro: com a vinda dos africanos como escravos para o Brasil, estes
trouxeram consigo suas manifestações religiosas que foram proibidas pela Igreja
oficial, mas nem por isso desapareceram. Houve sim, um sincretismo entre
elementos afros com elementos católicos, criando uma religiosidade tipicamente
brasileira.
c)
Matriz ameríndia: os povos nativos do solo brasileiro também contribuíram para
a formação da cultura religiosa brasileira com suas crenças marcadas crenças a
elementos da natureza, aos antepassados, uso de ervas e plantas medicinais,
pajelanças e xamanismo.
d)
Orientais: a vida de elementos do continente asiático contribuiu para o
enriquecimento da cultura religiosa brasileira, com práticas religiosas e
filosóficas em que aparecem elementos unindo fé e razão, práticas
espiritualistas, além da busca de uma religiosidade fundamentada na busca do
equilíbrio entre corpo e mente e do indivíduo com a natureza.
Hoje,
de modo especial, a cultura religiosa brasileira é caracterizada por um forte
sincretismo e, também, pelo crescimento de seitas e igrejas ligadas ao
pentecostalismo (igrejas dissidentes das tradições históricas provenientes dos
Estados Unidos) e também um crescimento muito grande do islamismo.
Elementos da
religiosidade popular
-
valores culturais mais periféricos sem muita integração com o oficial, com isso
ganhando uma maior liberdade de ação. Assim, estão mais sujeitos à influência
de crenças e valores de outras correntes religiosas.
-
caráter mais individual das práticas religiosas e dos valores e crenças.
-
Necessidade de uma maior simbologia e algo mais
prático e concreto: devoção aos santos, romarias, imagens, etc.
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